Relato de Unidade Didática
No primeiro dos dois anos em que dei aulas de Desenho A (11º), resolvi criar um “programa” a partir do Programa. Ainda sem uma consciência clara do que poderia eventualmente realizar, pensei eu no início que ‘pelo menos’ teria de ter um plano como este para começar a trabalhar. Qual a minha ‘inspiração’ para a ‘criação’ deste plano? Os encontros pelos corredores da escola com os vários alunos invisuais que ali circulavam.
Já tinha o ano letivo começado havia um mês e eu propus estas ideias aos meus colegas. Basicamente, acabei por ‘desenrascar-me’ e tentar concretizá-las… (por curiosidade, aqui está um retrato meu feito por um aluno nesse mesmo contexto...)

AQUI está a minha primeira proposta:
1. Visão “Percepção Visual e mundo envolvente”
. Desenho do Visível – espaço da sala de aula, objectos, casa, percursos do dia-a-dia
. Composição a partir do Visível – composição gráfica a partir dos desenhos
. Interpretação do Visível – composição plástica a partir da composição gráfica
CONTEÚDOS: Visão, Materiais, Procedimentos, Sintaxe
MATERIAIS/ TÉCNICAS: Grafite, Marcador, Carvão, Aguadas, Colagens, Óleo ou Acrílico, outros
SUPORTES: Papel A4, Papel A2, Tela, outros
2. Ensaio Sobre a Cegueira – os outros 4 sentidos “o meio ambiente como fonte de estímulos” – o papel do cérebro na construção de percepções
Diferentes processos de análise, através das propriedades de cada sentido, cada propriedade origina linhas, formas, cores.
. Tacto
Desenhar pessoas
– retratos dos colegas através do tacto/ observação/ fotografia – perceber diferenças
Desenhar formas naturais
– desenhos a partir do tacto – linha e textura
– desenhos através de observação rigorosa, tirando partido do estudo de texturas
. Olfacto
Desenhar formas naturais – visita à estufa-fria
– elaboração de desenhos usando manchas de cor (cheiros e cores/ mancha)
– desenhos à vista
– composição, no espaço da aula, usando a sobreposição de desenhos/ manchas de cor
. Paladar
Desenhar Sabores – cores/ texturas
– escolher vários frutos e levar para a aula
– provar cada um deles e “desenhar” o seu sabor, através de diferentes materiais, cores e texturas
– elaborar uma composição através da manipulação digital de fotos dos frutos, articulada com os resultados anteriores (mancha, textura…)
. Audição
Ritmo, linha, mancha e gesto
– desenhos usando a expressividade da linha, ao ritmo de diferentes tipos de música
Desenho e ilustração a partir de músicas e letras
– escolha de um álbum da preferência de cada aluno e ilustração de cada uma das músicas, usando um material/ técnica diferente para cada uma
Concepção de um CD
– maquete alternativa para apresentação do CD escolhido, usando uma das técnicas do exercício anterior
CONTEÚDOS: Materiais, Procedimentos, Sintaxe
MATERIAIS/ TÉCNICAS: Grafites, Pastel, Lápis de cor/ Cera, Marcadores, Aguarelas, Colagens, outros
SUPORTES: Papel A4, Papel A2, cartão, outros
3. Olhar para dentro de… Criar espaço cá fora “conceitos estruturais da linguagem plástica”
. Olhar para dentro
Trabalho de síntese de abordagens do visível, aplicadas à abordagem do invisível, interior – Criação de algo Visível, a partir do invisível
– representação do “eu” através da observação, do tacto, do olfacto, do paladar ou da audição, usando os sentidos para se auto-descobrir (com o próprio corpo ou com objectos exteriores que lhe estejam associados, bens pessoais, por ex.)
. Mostrar de dentro
Escolher entre os 5 sentidos para representar a individualidade
– realização de “auto-retratos” a partir do sentido escolhido
. Eu no Espaço
Realizar uma maquete/escultura que reflicta o “eu”, na criação de um espaço exterior
– transpor a interpretação pessoal bidimensional para uma estrutura tridimensional, imaginando um espaço tendo em conta o seu exterior e interior – pretende-se que esta peça seja a “maquete” de uma divisão ou de um edifício hipotético, que exprima (como uma escultura)
CONTEÚDOS: Visão, Materiais, Procedimentos, Sintaxe
MATERIAIS/ TÉCNICAS: à escolha/ a definir
SUPORTES: à escolha/ a definir
No final do ano, o balanço era positivo. Apesar de o plano ter sofrido (em todos os sentidos) algumas alterações, apresentei o enunciado seguinte aos alunos, acompanhado de uma apresentação de imagens de obras de artistas plásticos contemporâneos que (dizia eu) trabalhavam apelando a outros sentidos além da visão.
O ENUNCIADO
UNIDADE TEMÁTICA 2: duração 8 AULAS
COMPOSIÇÃO/ AUTO-RETRATO
Exploração dos Cinco Sentidos para a Expressão do Eu
I Oficina Culturgest – Festival IndieJúnior’10
. reflexão acerca de lutas interiores/ do eu
II Registos gráficos/ escritos
. 3 frases/ textos/ citações que reflictam pensamentos/ preocupações/ características pessoais
. 3 desenhos/ ilustrações, em papel cavalinho, formato A4, a partir dos textos escritos/ recolhidos
. pesquisa de imagens que ilustrem os textos escritos/ recolhidos
. 3 desenhos em vários formatos, técnicas à escolha
. 3 estudos de cor
. 3 estudos de composição
. escolha de técnicas/ materiais – em função da comunicação através de pelo menos dois dos cinco sentidos (visão + audição/ paladar/ tacto/ olfacto)
V Exposição Colectiva dos trabalhos realizados
ALGUNS RESULTADOS








Entretanto...
...Entretanto consegui reunir uma série de imagens que ilustram o processo de trabalho de uma das minhas alunas. A aluna seguiu o enunciado sugerido e aqui podemos ver alguns dos seus registos de ideias para chegar ao seu autorretrato.
A reflexão que desenvolvi no contexto da disciplina de Didática das Artes Plásticas levou-me a aprofundar mais o meu relato acerca desta experiência, o que serviu de base para uma outra apresentação, para outra disciplina: a Introdução à Prática Profissional. Com o objetivo de apresentar uma comunicação no simpósio Matéria Prima, consegui estruturar melhor as minhas ideias e a descrição de todo o processo, sendo por isso pertinente acrescentar aqui o essencial do texto que escrevi para o artigo do simpósio.
Serve também para melhor responder ao pedido para este relato de experiência:
Introdução
Este projeto foi realizado na disciplina de Desenho A, 11º ano, no primeiro ano em que lecionei Artes Visuais no ensino Secundário, na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, Lisboa, durante o ano letivo 2009-2010. Foi a minha primeira experiência profissional como professora neste contexto (ensino formal).
O tema central deste projeto é o autorretrato, que neste caso parte do desenhar mediante vários tipos de perceção, além da mais comummente associada ao desenho: a visual. O objetivo do trabalho proposto liga-se às motivações que lhe deram origem: o fato de existirem, naquela realidade escolar específica, bastantes alunos invisuais e a curiosidade quanto à possibilidade da sua relação com obras de arte e da fruição das mesmas. Pediu-se aos alunos que realizassem autorretratos que pudessem ser percecionados não só através da visão, mas também por outros sentidos.
Enquadramento do Projeto
A Unidade apresentada pertence ao primeiro programa a partir do Programa que criei para a disciplina de Desenho A. Acreditei que deveria trabalhar com os alunos segundo uma metodologia de projeto e para tal tentei formular eu própria um projeto que pudesse ter interesse para aqueles alunos, na realidade específica em que se inseriam. Os encontros pelos corredores da escola, com vários jovens invisuais que ali circulavam, suscitaram o meu interesse e resolvi seguir o instinto de formular algo que os pudesse incluir. O projeto que culminaria na Unidade que agora apresento baseou-se, então, num Ensaio Sobre a Cegueira.
Numa primeira Unidade, intitulada Perceção Visual e mundo envolvente, trabalhou-se o sentido da Visão, através do desenho do visível. Depois criaram-se composições a partir desses desenhos, que foram reproduzidas em Interpretações do Visível, em que a cor e outros materiais além do carvão e grafite (inicialmente utilizados) estavam presentes.
A segunda Unidade Didática, o Ensaio Sobre a Cegueira propriamente dito, incluiu a exploração, no desenho, das perceções advindas dos outros quatro sentidos, abordando-se o meio ambiente como fonte de estímulos e o papel do cérebro na construção de perceções. Foram realizados diferentes processos de análise, através das propriedades de cada sentido, originando cada propriedade linhas, formas, cores.
Explorando o sentido do Tato, foram feitos retratos dos colegas, percebendo-se através da prática as diferenças entre esses desenhos e os que foram feitos à vista e a partir da reprodução de fotografias dos mesmos colegas.
Para experimentar o desenho a partir do Olfato, elaboraram-se desenhos de flores e frutos, com manchas de cor, associando as cores aos cheiros. Mais uma vez, além destas experiências os alunos fizeram desenhos à vista e, posteriormente composições com a sobreposição desses desenhos e das manchas de cores associadas aos cheiros. Experimentaram ainda reproduzir um paladar através de cores e texturas desenhadas.
A Audição serviu de base para trabalhar ritmo, linha, mancha e gesto. Os alunos desenharam usando a expressividade da linha e da cor, ao ritmo de diferentes músicas. A música e o ouvir serviram ainda de base a um exercício de desenho e ilustração a partir de músicas e letras. Cada aluno concebeu o design de um álbum (CD), num projeto com as diferentes fases do trabalho e uma maquete ‘alternativa’ para um álbum.
A terceira e última Unidade deste projeto intitulou-se Olhar para dentro de…. É a Unidade que apresentei como Matéria Prima, mas o seu sentido construiu-se ao longo de todo o longo percurso que acabo de descrever. Infelizmente foram poucos os registos fotográficos realizados nestas fases, mas seria interessante apresentá-los.
Unidade Didática Olhar para dentro de…
Usando os elementos estruturais da linguagem plástica, quis-se que se criasse, a partir do olhar para dentro de cada um dos alunos, uma intervenção no espaço cá fora. Cada aluno deveria criar através do desenho algo que fosse visível, a partir do invisível, tirando partido das experiências feitas ao longo do ano, sintetizando abordagens, para representar um eu, autodescobrindo-se no seu próprio corpo, nos objetos exteriores que lhe estivessem associados, etc.. Depois, cada aluno escolheria um entre os vários sentidos além da visão para usar na representação da sua individualidade.
Foi pedido aos alunos que representassem o seu Eu no Espaço, com uma escultura/ instalação, transpondo a interpretação pessoal feita em desenhos bidimensionais para uma peça que requeria a imaginação de um espaço. Os conteúdos programáticos trabalhados foram: Visão, Materiais, Procedimentos, Sintaxe. Os materiais, as técnicas e os suportes utilizados foram os escolhidos pelos alunos, tendo em conta os seus estudos e o trabalho em conjunto com a professora.
O enunciado desta exploração dos cinco sentidos para a expressão do eu foi apresentado em aula a par de uma exibição de imagens de trabalhos de artistas contemporâneos (essencialmente instalações), em que os alunos podiam ver como cada outro sentido teria que ser ativado para percecionar aquelas obras de arte. Essas imagens foram usadas com o intuito de sugestionar e estimular os alunos para a exploração de dimensões que habitualmente não eram incluídas nos seus trabalhos de desenho.
As várias fases propostas para este trabalho incluíam um Olhar para dentro, com registos gráficos e escritos que refletissem pensamentos/ preocupações/ características pessoais; desenhos/ ilustrações a partir dos textos recolhidos e uma pesquisa de imagens que ilustrassem os mesmos. Seguia-se um Mostrar de dentro, um processo de materialização de ideias em desenhos de vários formatos e técnicas à escolha, estudos de cor, estudos de composição e depois a escolha de técnicas e materiais, em função da comunicação através de pelo menos dois dos cinco sentidos (visão + audição/ paladar/ tato/ olfato).
Seguiu-se a construção do Eu no espaço, a construção das peças bi ou tridimensionais que foi acompanhada pela professora.
Terminados os trabalhos (o que coincidiu com o final do ano letivo), fez-se uma Exposição Coletiva.
Respostas aos exercícios propostos
Os resultados dos exercícios foram, como desejado, bastante diversificados. Todos refletiram o nível de empenho dedicado pelos alunos à concretização dos trabalhos, muitos concluíram e expuseram os seus autorretratos, outros ficaram pelo projeto e (infelizmente) não o chegaram a concretizar fisicamente, outros ainda quiseram passar imediatamente à prática e conseguiram resultados mais ou menos bons. No fundo, todos estes resultados foram autorretratos. Nas figuras vemos alguns desses resultados, uns captados em exposição, outros na sala onde foram elaborados.
A exposição foi montada com a ajuda dos alunos numa zona de corredores da escola e era apresentada ao público através de um texto explicativo do seu âmbito, que acompanhava a exposição e aparecia também em braille (tradução e impressão facultados pelos alunos do Gabinete de Ensino Especial da escola, que está equipado para o efeito).
Avaliação
A avaliação foi considerada na conceção da Unidade tendo em vista uma exploração para o sucesso, na medida em que não foi apenas o resultado do trabalho propriamente dito que serviu como elemento de avaliação.
As fases descritas eram essenciais para a concretização do trabalho final e permitiram uma avaliação criterial, em que se teve em conta todo o percurso de construção de ideias e de aplicação dos conteúdos programáticos acompanhada pela professora. Embora a avaliação fosse sujeita a critérios normativos definidos coletivamente com os professores do grupo, materializada numa escala numérica, não deixou de proporcionar uma valorização da aprendizagem individual de cada aluno.
Conclusão
O que pretendi, ainda que intuitivamente naquela data, com este projeto, foi uma adaptação do currículo para a disciplina de Desenho A, de acordo com o que entendo ser o meu “modelo” de professor. Este projeto é expressão do que, pessoalmente, entendo como a nossa missão enquanto professores: a ágil articulação dos conteúdos programáticos definidos para todos, mas adaptados a uma realidade específica, a uma escola particular, e tendo em conta o universo pessoal de cada aluno, acompanhando-o no seu crescimento pessoal. Além de se ter em conta cada universo particular, este é exatamente o que se pretende trabalhar e ajudar a desenvolver: um autoconhecimento produtivo e uma descoberta de novas maneiras de olhar. Olhar para aprender a partir do que se vê e se sente (e é exterior a nós); olhar para o que está dentro de nós.
Penso que este é um projeto a repetir noutras circunstâncias, com outros desenvolvimentos. Descobri que não é necessário existir uma comunidade de invisuais a quem dar estes trabalhos, pois o essencial aconteceu no processo de descoberta de cada um dos alunos, todos eles com o sentido da visão apurado. Afinal, todos pensamos que vemos bem, mas podemos não ver o essencial.
O modelo de professor que desejo seguir é o que permite aos alunos ver o essencial, acompanhando-os na descoberta do desenho, da técnica, da matéria e também do imaterial.
Penso que me envolvi bastante no processo educativo implicado neste trabalho. Sei que o meu envolvimento acabou por ser maior, nalguns casos, do que o dos próprios alunos, apesar de serem eles a autorretratar-se... Isto porque muitas vezes a minha vontade do seu sucesso era maior e conseguia perceber que, se eles dessem mais um pouco deles próprios e da sua dedicação a este trabalho, o resultado seria muito melhor, seria realmente de qualidade.
Talvez eu não tenha sabido captar as duas atenções, ou talvez cada um dos trabalhos fosse uma espécie de experiência um pouco minha, que desejava levar a cabo numa espécie de laboratório.
Mas a experiência era de cada um deles.
O processo era deles, bem ou menos bem contretizado. De acordo com um enunciado, cada um escolheu o seu processo de execução e limitei-me a acompanhá-lo/ incentivá-lo, tentando potenciar as ideias dos alunos.
É interessante como temos que jogar permanentemente connosco próprios e ora atrevermo-nos, ora contermo-nos, para que a nossa influencia seja efetiva e positiva mas não impositiva ou manipuladora.
Penso que os alunos desenvolveram competências ao nível do trabalho de projeto, da sua capacidade de autoanálise, da sua capacidade de encontrar o sentido entre o que eles próprios são e as suas escolhas, da sua capacidade de fazer algo visível, que não seja baseado no visível, o que realmente correspondeu ao(s) objetivo(s) desta proposta.
A REFLEXÃO:
Quando se trata de me “enquadrar” a mim, é mais difícil…
Peco pela pouca capacidade de decidir, pela tendência a
‘deixar em aberto’, pela tendência a usar reticências…
Como se quisesse que outros decidissem por mim, como se o
que faço fosse sempre uma “obra aberta”.
Ainda assim, penso com um sorriso que pecar pode ser bom, porque
deixando-se em aberto, pode continuar-se a refletir, em vez de ficar por
uma conclusão.
O relato de unidade didática que apresentei revela o modo como entendo que deve
ser estruturado um programa para uma disciplina de Artes Visuais e revela
também a minha forma de ensinar, ou ‘educar’, tal como revela a minha forma de
entender a arte.
Como tal, esta reflexão acerca de uma unidade didática é
também uma reflexão acerca da minha postura e da minha identidade como
professora.
Arte e educação estão para mim ligadas nas suas estruturas.
A arte educa o indivíduo e a sociedade; pela arte educa-se e a educação é uma
arte também.
No entanto, penso que educar deve ser sempre uma arte
(embora tenha uma utilidade definida), mas arte nem sempre é educação.
Encontro-me na confluência de várias correntes; referindo-me
às correntes delineadas por Arthur Efland, por exemplo, encontro-me entre a Corrente
Expressiva-Psicanalítica e a Corrente Pragmática-Reconstrucionista, tomando com
mais ênfase esta última.
Não posso, no entanto, rejeitar alguns aspetos ligados às correntes
Mimética-Behaviorista e Formalista-Cognitiva; em suma, penso que todas as
correntes têm em si princípios que podem funcionar na prática com o seu
sentido, conjugados com outros.
Por exemplo, da Mimética-Behaviorista, considero importante
saber perceber que arte também pode ser imitação, saber ver também pode passar por saber representar mimeticamente; como
tal, continuo a achar pertinente que os alunos realizem desenhos à vista,
trabalhando-se assim a perceção visual do mundo que os envolve.
Também acho relevante que os alunos aprendam a ver, que consigam identificar as estruturas do
conhecimento através de conceitos e de um vocabulário específico, próprio da
arte como poderia ser o de outra disciplina, e que permite uma aproximação à
arte com a consciência de se viver uma experiência estética, o que seria
próprio da corrente Formalista-Cognitiva.
Esta perspetiva está expressa nos próprios enunciados e na forma como proponho
que os alunos encarem os seus trabalhos: peço-lhes que criem, trabalhando
conteúdos como a “Visão, Materiais, Procedimentos, Sintaxe”, peças que serão
próximas de obras de arte, tentando que experienciem o processo de criar uma
obra de arte que terá um sentido/ propósito/ que valerá ‘em si’ e que será
exposta. No entanto, não lhes é pedido que sejam
artistas, nem se pressupõe que exista a apreensão de um léxico específico que garanta o sucesso ou a aproximação à
arte…
Esta unidade temática, em si, materializa, uma espécie de
fusão entre a corrente Corrente Expressiva-Psicanalítica e a Corrente Pragmática-Reconstrucionista.
Ao mesmo tempo que se trabalha o autorretrato, dando ênfase
à personalidade e à esfera emocional de cada um, trabalha-se para uma
comunidade específica, ou melhor, tendo em conta a adaptação a uma comunidade
específica, que pressupõe uma perspetiva social e reconstrucionista do que se
faz em arte. Quer-se
que os alunos se coloquem no lugar do outro e ao mesmo tempo se descubram,
nessa relação entre o que os outros poderão ou não ver e o que eles descobrem
que são.
Educação e arte têm, assim, um papel na expressão da individualidade do
aluno e “(…) têm valor instrumental, na medida em que contribuem para que o ser
humano, artista ou aluno, conheça e intervenha sobre a realidade, sendo que
esta (...) não é aceite como verdade absoluta, mas passível de mudança." (Sousa,
A., 2007, p. 22).
Se este trabalho parece ligar-se mais à corrente Expressiva-Psicanalítica,
devido à sua temática, a verdade é que os meus propósitos estão mais ligados a
uma perspetiva pragmática e reconstrucionista, uma vez que a abordagem do ‘eu’
se destina essencialmente a problematizar algo significativo para o aluno, de
modo a que se capacite para melhor crescer em sociedade, tendo desta forma
possibilidade de o fazer através de novas experiências, que lhe ‘alarguem os
sentidos’ e tragam novas aprendizagens.
O conhecimento descoberto é contextualizado e tem em si ainda valores
humanos, que se descobrem na capacidade de se fazer algo para outros, que terão
caraterísticas e condições de vida que desconhecemos.
Como John Dewey, vejo a arte como “(…) não apenas uma mera expressão pessoal
mas um meio de transformar a vida do indivíduo e da sociedade. (…) como uma
ferramenta com a qual seria possível resolver problemas do contexto familiar,
escolar ou da própria comunidade e (…) enquanto parte integrante da actividade
humana e não como um fenómeno isolado.“ (SILVA, Carolina, 2010, p. 17)
Em última instância, arte e educação são meios para atingir fins,
relacionados com o benefício da comunidade e da sociedade, sendo o processo
individual de criação também importante, pois aprende-se com a experiência. Tal
como Herbert Read e Viktor Lowenfield, acredito na educação pela arte e
valorizo o crescimento de crianças e jovens “criativa e sensivelmente, o que
lhe permitia aplicar a sua experiência com a Arte em qualquer outra situação do
seu dia-a-dia.” (SILVA, Carolina, 2010, p. 16)
Além disso, acredito que “A aprendizagem (…) promove a auto-realização do
aluno o que lhe permite desenvolver os seus valores interiores, sendo o
professor visto como um facilitador na medida em que procura não impor regras
ou valores ao aluno.” (SILVA, Carolina, 2010, p. 16)
“De acordo com Arthur Efland (…), as correntes que define
não devem ser interpretadas como limites rígidos que seccionam de forma
categórica a história da Educação Artística mas são uma possibilidade para a
periodização da sua acção e pensamento.” (SILVA, Carolina, 2010, p. 22)
Aliás, a educação artística deve integrar vários modelos e
abordagens, de acordo com objetivos e conteúdos específicos. Cabe ao professor
saber como ‘aplicar’ estes modelos, não sendo necessário o enquadramento num
modelo específico, mas sendo útil o conhecimento de todas as possibilidades e
do que já foi escrito e revisto acerca da arte e da educação, como fazemos
nesta didática.
Não posso deixar de me situar neste universo de multiplicidade, ambiguidade
e incerteza (próprio do pós-modernismo), em que o artista é um produto e um
produtor cultural, em que o conhecimento é uma construção social e a identidade
do sujeito é incerta e fragmentada, em que se procura constantemente e nessa
procura nos encontramos. Mas posiciono-me de forma otimista e positiva, na
consciência de que assim se podem educar pessoas que pensam e agem de forma
crítica e contextualizada, de alguma forma propositada e diversificada.
O que é individual e coletivo procura-se e mistura-se, em busca de uma
comunhão com o essencial.
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