domingo, 31 de março de 2013

Eu, professora e artista | Um enquadramento



Nas várias experiências e reflexões descritas neste 'diário', fui definindo de forma mais clara a forma como me posiciono entre correntes e teorias do ensino artístico, nomeadamente as definidas por Efland e as que se relacionam com o conceito de artista-professor. Cada vez mais é clara a relação entre a forma como vivo e entendo a arte e a forma como concebo as minhas experiências como professora/ educadora.
O ensino das artes está relacionado com o modo como o próprio professor entende a arte (Efland,1995, p. 25) e o meu caso não é exceção.

De acordo com as correntes do ensino artístico delineadas por Arthur Efland, vários paradigmas podem ser articulados para atingir um mesmo fim: propiciar aprendizagem. 
Em todas as minhas experiências de ensino, tento abordar determinados conceitos e perseguir objetivos de diferentes formas, apoiando-me em trabalhos artísticos e em teorias da arte que foram surgindo e prevalecendo ao longo do tempo, consciente de que conhecendo o que já foi feito e escrito, ou seja, o que já foi criado, nos pode ajudar a trilhar novos e preponderantes caminhos na conceção de novos trabalhos artísticos - obras de arte ou projetos didáticos.

Tento articular vários modelos e abordagens, adequados a conteúdos e objectivos diferenciados, não priveligiando uma única perspetiva como verdadeira, em detrimento de outras. Enquandro-me, assim, no paradigma Pósmodernista (Efland, 1995). Esta posição é a que melhor se coaduna com a minha maneira de encarar o mundo em geral e as artes e o ensino em particular, uma vez que não posso, como educadora, defender uma corrente, um estilo ou uma concepção única, antes devo proporcionar aos alunos um constante questionar acerca das questões essenciais e transversais na arte.

Se tivesse que relacionar o meu trabalho de forma mais precisa com determinadas correntes, das enunciadas por Efland, encontro na generalidade dos meus trabalhos caraterísticas das correntes Expressiva-Psicanalítica, Pragmática-Reconstrucionista e Formalista-Cognitiva que em conjunto constituem, como foi referido atrás, uma posição Pósmodernista.
Segundo a orientação da corrente Expressiva-Psicanalítica, a arte e a educação centram-se na expressão pessoal, e são como veículos para a liberdade individual, mais do que ‘metodologias específicas’ (Efland,1995, p. 27), sendo o processo mais relevante que os resultados. A arte é valorizada como (auto)expressão, pela originalidade e o aluno é considerado na sua capacidade de exteriorizar e na sua individualidade. “A aprendizagem neste modelo promove a auto-realização do aluno o que lhe permite desenvolver os seus valores interiores, sendo o professor visto como um facilitador na medida em que procura não impor regras ou valores ao aluno.” (Silva, 2010, p. 16). Em Desenho em Questão e nas experiências pedagógicas que relato, encontramos muitos momentos nos quais os alunos são convidados a intervir livremente de acordo com a sua individualidade. Mesmo nos exercícios em que existem condições mais definidas, procuro sempre que os alunos respondam aos exercícios de forma pessoal e criativa.
De acordo com a Corrente Pragmática-Reconstrucionista, "(...) a Arte e a Educação têm um valor instrumental, na medida em que contribuem para que o ser humano, artista ou aluno, conheça e intervenha sobre a realidade, sendo que esta (...) não é aceite como verdade absoluta, mas passível de mudança." (Sousa, A., 2007, p. 22). O pensamento é constantemente revisto e reatualizado na Educação, tal como na Arte; além disso, "(...) a Educação faz-se em contato direto com o meio, e assenta na apresentação de problemas, significativos para os alunos, que lhes possibilitem novas experiências, geradoras de aprendizagem." (Sousa, A., 2007, p. 23) Constrói-se conhecimento contextualizado e que tenha um valor pragmático. Esta corrente está presente na forma como tento construir situações, exercícios, que possibilitam a construção de conceitos a partir da experiência, não partindo de verdades absolutas. Não o faço de forma expositiva, por exemplo, antes escolho formas de, através da prática, gerar conhecimento.
A corrente Formalista-Cognitiva valoriza um conhecimento específico da arte. No que diz respeito à aprendizagem, esta tem como base o que é comum a todos, não o individual. Segundo esta corrente, procura-se "(...) um conjunto de leis, inerentes às obras, e aos atos educativos (...)." (Sousa, A., 2007, p. 23). O professor está entre o aluno e o acesso a uma linguagem visual, científica, cujo domínio é necessário para o sucesso da aprendizagem. Essa linguagem é parte integrante de um conhecimento específico disciplinar, existindo uma teorização sobre a prática – materializada na Discipline Based Art Education (DBAE), que permitiu que a arte fosse ensinada democraticamente, aprendida por qualquer um. Permitiu também que pela primeira vez se reconhecesse “(…) como um dos objetivos básicos da educação artística aprender a ver.” (Acaso, Maria, 2009, p. 100). Nas minhas propostas didáticas, cada experiência é gerada, dentro do possível, para que possa ser vivida por qualquer um, não exclusiva de artistas, na tentativa de facilitar o conhecimento da linguagem específica da arte, de forma construtiva. 
A dimensão formalista e científica acaba, assim, por enquadrar os objetivos pedagógicos que se prendem com o propiciar aos alunos a tomada de consciência de diferentes concepções e dessa forma alargar e aprofundar a compreensão da arte, mas pretendo também melhorar o seu entendimento e a sua sensibilidade ao mundo, o seu crescimento como indivíduos ativos, artisticamente, em sociedade, o que é próprio de uma ação Pragmática-Reconstrucionista...

Além deste posicionamento entre vários modelos, o desejo de ensinar e a exigência de criar são para mim impulsos paralelos e não divergentes, que partilham um princípio comum: são viagens similares ao desconhecido e sustêm os mesmos frutos da auto-exploração e da auto-descoberta. (Lowe, 1958, p. 11) Não posso deixar de me identificar com o que tem sido estudado e (d)escrito acerca de um artista-professor, que tem em si uma aptidão, uma vontade e uma vocação, que o levam a tentar educar das mais diversas formas, através da arte.

Sinto e sei que trabalho com essa consciência, que estou a criar enquanto educadora. Procuro, assim, enriquecer e construir uma ‘arte de ensinar’, a qualidade de organizar e comunicar determinadas ideias e sentimentos. (Hausman, 1967, p. 14)




PRÁTICA PROFISSIONAL SUPERVISIONADA





A minha prática profissional supervisionada está a decorrer na ESMAVC – Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho –, Lisboa, com as turmas 10º M e 10º L na disciplina de Desenho A. Foi nesta escola que desenvolvi a minha primeira experiência profissional como professora neste contexto (ensino formal), no ano letivo 2009-2010. Agora, (re)encontro-me a aprender na prática, novamente nesta escola, mas de uma forma mais metódica e acompanhada pela teoria e pela reflexão, mais consciente, menos meramente intuitiva.

O tema central da unidade didática que vou pôr em prática é o desenho, um desenho que ocupa o espaço, habita o espaço em vez de habitar a superfície do papel. Embora valha em si, por si, a unidade insere-se no projeto a ser desenvolvido pelos  alunos em conjunto com a sua professora (minha cooperante), no qual a minha intervenção tem vindo a ser gradualmente integrada, através da observação de aulas, da cooperação no acompanhamento dos alunos, do conhecer os alunos. 

Como professora, penso que devemos estar conscientes de que estamos a ajudar a formar possíveis futuros artistas e, por isso, devemos estar seguros na transmissão dos conhecimentos e conceitos próprios da arte, dos elementos estruturais da linguagem plástica, dos fenómenos da perceção visual e da importância do que é perceber o que estrutura a realidade, visualmente e concetualmente falando. É desejável que os alunos tenham consciência dos meios e processos possíveis para que, no ato criativo, se projetem mais além. Desenvolvo o meu trabalho didático sempre tentando que os alunos percebam que são criativos, que poderão vir a ser artistas, pelo que deverão estar familiarizados com processos e práticas envolvidos na criação de um projeto artístico. Faço-o como se estivesse, eu própria, a criar. Isto é, no decorrer do meu trabalho como professora estudo, pesquiso, uso os meus conhecimentos acerca do desenho, da pintura, das artes plásticas e do processo de construção de um trabalho artístico, fundamentado, tentando projetar e agir para a compreensão dos sentidos e dos conceitos que quero dar a entender, dos objetivos que petendo que os alunos alcancem.

PARTE I | Acompanhamento da Unidade Representação de um Objeto Natural

Numa primeira Unidade, intitulada Representação de um Objeto Natural, os alunos desenharam troncos à vista. Trabalhou-se a capacidade de ver relações de proporção, de representar de forma realista, de estruturar um desenho, de usar a linha e os valores de luz e sobra para definir formas, de representar texturas, de utilizar materiais atuantes como as grafites, marcadores, canetas, tinta da china e algumas técnicas mistas, apartir do desenho do visível. Depois criaram-se composições a partir desses desenhos, Representações Expressivas, em que a cor e outros materiais além dos inicialmente utilizados, estavam presentes: trabalhou-se a linha, em diferentes tipos, como elemento gráfico expressivo, a transformação, outras potencialidades de utilização dos materiais, a cor, a simplificação por nivelamento e por acentuação, o recorte, a colagem, a mancha e a composição de todos estes elementos de expressão para criar uma representação que foi o culminar dos processos individuais dos alunos ao longo dos vários exercícios.

A minha intervenção neste processo foi como assistente. Além de ir dando sugestões aos alunos a pertir das questões que eles próprios me foram colocando, fui percebendo como a dinâmica das aulas era gerida pela professora, de forma cada vez mais impercetível, à medida que os trabalhos iam avançando.
Participei ainda na montagem de uma exposição destes trabalhos, que foi feita em conjunto com os alunos e que me permitiu uma aproximação maior aos mesmos, gerada pelo trabalho colaborativo.









 






PARTE II | Acompanhamento da Unidade Retratos do Conhecimento


No segundo período, foi proposto e apresentado aos alunos o projeto Retratos do Conhecimento, criado no âmbito de Desenhos: DinâmicasTransdisciplinares, para os alunos do 10º ano. O projeto visa que os alunos criem retratos de personalidades femininas (tal como a patrona da escola, Maria Amália vaz de Carvalho), que tenham sido importantes ao longo da história, essencialmente por descobertas e contributos ao nível das ciências, tentando-se dar-lhes assim a visibilidade merecida. O intuito é tornar esses retratos visíveis para toda a comunidade escolar, pelo que se traduzirão em intervenções nos espaços da escola, intervenções que serão como peças de ‘arte urbana’. Este é um projeto transdisciplinar, na medida em que os alunos de artes estão em diálogo com as ciências, nas suas pesquisas para a representação destas personalidades; e também na medida em que poderá ser um projeto mais cativante para outros atores da comunidade escolar, abrindo-se assim uma porta ao interesse dos demais pelas artes visuais e pelo seu papel na sociedade e na cultura escolar. O projeto Retratos do Conhecimento foi concebido para que os alunos desenvolvam um processo pessoal de representação de individualidades particulares, de um modo que pode não ser realista ou até figurativo. Trata-se de um retrato para descobrir e aprofundar conhecimentos acerca de determinadas personalidades; conhecimentos que serão partilhados com a comunidade escolar através de processos de criação artística, numa perspetiva de sincronia com o que se faz atualmente em arte, pelo que muitos processos poderão ser explorados, com resultados consequentemente díspares, de aluno para aluno.

A minha contribuição nesta unidade começou logo no momento em que foi proposto o projeto, fazendo uma abordagem ao desenvolvimento do retrato ao longo da História da Arte, desde tempos mais remotos até aos nossos dias, na tentativa de que os alunos aprofundassem mais os seus conhecimentos e efetivamente vissem obras de arte e pensassem acerca do seu significado e sentido na época em que pertencem. 
Esta intervenção constituiu uma verdadeira mostra de retratos, acompanhada do questionamento aos alunos, no sentido de se pensar como o que produzirão deverá ter um sentido artístico que traga algo de novo ao seu contexto...














PARTE III | A minha proposta: Unidade Desenhar no Espaço

Esta unidade, Desenhar no Espaço, foi criada de modo a que se trabalhem, de forma integrada, diferentes processos, outras formas de fazer desenho, mais atentas ao próprio desenho – e independentes do retrato. Esta experiência servirá também para que os alunos consigam reforçar o sentido do que lhes é proposto e do que irão construir, ou compôr, no espaço, no âmbito da disciplina de desenho.

(De acordo com o programa de Desenho A, 10º ano, 2001:)

Finalidades

• Desenvolver as capacidades de observação, interrogação e interpretação.
• Desenvolver as capacidades de expressão.
• Promover métodos de trabalho individual e colaborativo, observando princípios de convivência e cidadania.
• Desenvolver o espírito crítico face a imagens e conteúdos mediatizados e adquirir, com autonomia, capacidades de resposta superadoras de estereótipos e preconceitos face ao meio envolvente.
• Desenvolver a sensibilidade estética, formando e aplicando padrões de exigência.
• Desenvolver a consciência histórica e cultural e cultivar a sua disseminação.

Objetivos Gerais

• Usar o desenho como instrumento de conhecimento e interrogação.
• Desenvolver modos próprios de expressão e comunicação visuais utilizando com eficiência os diversos recursos do desenho.
• Dominar os conceitos estruturais da comunicação visual e da linguagem plástica.
• Conhecer, explorar e dominar as potencialidades do desenho no âmbito do projecto visual e plástico incrementando, neste domínio, capacidades de formulação, exploração e desenvolvimento.
• Explorar diferentes suportes, materiais, instrumentos e processos, adquirindo gosto pela experimentação e manipulação, com abertura a novos desafios/ ideias.
• Utilizar fluentemente metodologias planificadas, com iniciativa e autonomia.
• Relacionar-se responsavelmente dentro de grupos de trabalho adotando atitudes construtivas, solidárias, tolerantes, vencendo idiossincrasias e posições discriminatórias.
• Respeitar e apreciar modos de expressão diferentes, recusando estereótipos e preconceitos.
• Desenvolver capacidades de avaliação crítica e sua comunicação, aplicando-as às diferentes fases do trabalho realizado, tanto por si como por outros.
• Dominar, conhecer e utilizar diferentes sentidos e utilizações que o registo gráfico possa assumir.
• Desenvolver a sensibilidade estética e adquirir uma consciência diacrónica do desenho, assente no conhecimento de obras relevantes.

Conteúdos Programáticos

   ·         VISÃO - Percepção visual e mundo envolvente; O meio ambiente como fonte de estímulos;
·         MATERIAIS – suportes e meios atuantes;
·    PROCEDIMENTOS – técnicas e ensaios; processos de síntese (prática de desenho que envolva uma aplicação de prévios ganhos analíticos e de princípios conceptuais, implicando também os conceitos de conhecimento, capacidade, aplicação);
·        SINTAXE – Conceitos estruturais da linguagem plástica: forma pontual, forma linear, forma pluridimensional, textura, escala, espaço, ritmo, equilíbrio, movimento e unidade; Domínios da linguagem plástica;.Forma (Figura positiva e figura negativa: figura e fundo, forma e informe, limite, contorno e linha); Plano e superfície; Linhas (medianas, diagonais, oblíquas); Centro, campo e moldura; Espaço e volume; Organização da profundidade; Organização da tridimensionalidade;
·     SENTIDO – Visão sincrónica do desenho; Visão diacrónica do desenho; Imagem: plano de expressão ou significante; Observador: plano de conteúdo ou significado.

Competências

·     MANIPULAR E SINTETIZAR – o aluno estará apto a aplicar procedimentos e técnicas com adequação e correção e a criar imagens novas. Estará em evidência a capacidade de síntese, quer por tratamento da soma de experiências, quer por aplicação de princípios, ideias, métodos ou conceitos no domínio das operações abstractas. Pressupõe o exercício de sentido crítico, de método de trabalho e a integração num projeto que responda a necessidades da pessoa e do seu contexto, estando implicado o estabelecimento prévio de uma base de conhecimentos que qualifiquem informadamente as respostas.
·     INTERPRETAR – o aluno conseguirá ler criticamente mensagens visuais de origens diversificadas e agir como autor de novas mensagens, utilizando a criatividade e a invenção em metodologias de trabalho faseadas. Esta competência pressupõe um domínio crescente nos processos de interpretação e de sentido assentes num “pano de fundo” culturalmente informado.

Metodologia

“Concretiza-se a aprendizagem do desenho através do «aprender fazendo», encarado de modo integrado e sem prejuízo da transmissão oportuna e sistemática de conhecimentos. (...) Trata-se de potenciar a utilização simultânea de conceitos e de os fazer concorrer para o objetivo prático que constitui cada trabalho. (Ramos , 2001, p. 16) Como previsto no programa oficial da disciplina, o ensino-aprendizagem envolve professores e alunos em diálogo, dando-se a aprendizagem dos conteúdos através de exercícios práticos, segundo o  acompanhamento sistemático do professor, na realização dos exercícios.
Os enunciados serão acompanhados por imagens de trabalhos de artistas, que de alguma forma ajudam o aluno a entender como se pode processar o ato criativo que será pedido. A imagem é usada para sugestionar e para fomentar a sensibilidade estética e artística dos alunos, mas também para apoiar a validade dos conceitos trabalhados, ao nível artístico e estético.
Existe uma sequência entre conteúdos, imagens e exercícios – uma das muitas possíveis – assumindo-se esta unidade como um espaço de exploração e descoberta e também de questionamento; a sequência foi feita de modo a que essas descobertas fossem uma mais-valia em si e também em relação ao projeto a decorrer nas atividades letivas destes alunos.


Unidade Didática Desenhar no Espaço


Objetivos Específicos

·         Conhecer a importância e o sentido do desenho na arte contemporânea;
·         Perceber a possibilidade de desenhar no espaço;
·         Desenhar no espaço tridimensional, tomando consciência da passagem por diferentes processos: “sair do papel”; “desenhar no espaço”; “o corpo a desenhar no espaço”.

Nesta unidade pede-se aos alunos que façam desenhos no espaço tridimensional. Embora tenha já sido proposto que desenhem sobre suportes não convencionais, que implicam sair do papel (como as paredes, o chão, etc.), introduz-se agora um novo ‘suporte’, o espaço, vazio.  Dedicamo-nos assim à exploração dessa possibilidade. 

O intuito é que os alunos usem intencional e conscientemente os elementos estruturais da linguagem plástica neste âmbito. Assim, vão conhecer novas formas de fazer e de encarar o processo criativo. Ao pedir-se algo num contexto diferente do comum (fora da superfície delimitada por duas linhas horizontais e duas verticais), incentiva-se um olhar menos acomodado, mais atento e mais desperto, mais incidente sobre cada meio de composição e de expressão que os alunos possam usar.

Para tal,  surgiu a ideia de conceber uma sequência de exercícios de caráter exploratório que possibilite, por um lado, a construção e partilha de novas consciências acerca do desenho e, por outro, uma aventura para além do que é convencionalmente entendido por desenho, explorando a elasticidade do(s) conceito(s) e práticas do desenho e a sua relação com outras áreas artísticas, como a pintura, a escultura, a fotografia, a instalação ou a performance.
Apresentam-se como referências nesta exploração os processos de criação de alguns artistas que durante o século passado e o presente protagonizaram as transformações nos modos de fazer e entender a arte em geral e o desenho em particular, contribuindo para o seu perpétuo movimento de transgressão de si própria, esse sair dos seus limites para mais se aproximar do que é. Apresentam-se imagens que podem mostrar aos alunos desenhos que saem da superfície do papel e ocupam o espaço, que mostram como cada elemento estrutural da linguagem plástica pode existir, desenhado, mas sem que exista o suporte convencional. 
Estas imagens são usadas para sugestionar e estimular os alunos para a exploração de dimensões que habitualmente não são incluídas nos seus trabalhos de desenho. Convidam também ao conhecimento de uma história recente ao nível da arte e da estética, que infelizmente não constam na maioria dos percursos escolares dos alunos – mesmo ao nível da história da arte menos recente, os conhecimentos dos alunos são mínimos e os conteúdos estão a desaparecer dos currículos do ensino secundário. Traz-se, assim, ao universo de conhecimentos destes alunos mais exemplos (além da Arte Urbana, que foi alvo de pesquisa no projeto em curso) em que se pratica desenho no espaço. Impulsiona-se uma nova abordagem transdisciplinar, especificamente ao nível da disciplina do desenho.
Em três aulas/sessões, vamos visitar o trabalho de vários artistas e realizar exercícios em que os alunos poderão desenvolver o seu domínio de diferentes linguagens plásticas.


      SESSÃO I .       DESENHO A SAIR DO PAPEL




Tomamos como primeira referência o trabalho de Helena Almeida, Desenho Habitado (1977). A artista trabalha o léxico próprio do desenho, por isso a sua obra «Desenhos Habitados» serve de ponto de partida para nos questionarmos acerca do desenho, que poderá sair do papel para o espaço. Além deste trabalho, outras obras de Helena Almeida servem como exemplo. É através da compreensão dessa linguagem que a humanidade pode ligar-se ao desenho e, em consequência, à própria arte. Helena Almeida faz-nos olhar a gramática que articula essa linguagem, que usa formas como se usam palavras ou frases para lhes dar o sentido correto: a ‘gramática visual’.
A ideia será entender, aqui, a importância dos “(...) fatores sem os quais o discurso pitórico não se realiza, não se forma, não se significa.” (Sousa, 1977, p. 9).

Vamos pensar como o desenho no espaço poderá ser uma forma de conferir uma imagem, ou mesmo uma presença mais forte, aos elementos estudados.

EXERCÍCIOS:
1.    Desenhar com linha
Sinopse: Este exercício destina-se a experimentar a possibilidade de desenhar com vários tipos de linhas, no espaço tridimensional. O que fazemos com uma linha que já não tem o apoio de uma superfície bidimensional?
Cada aluno terá de resolver como criar o seu desenho, com os materiais dados, numa pequena área, definida no espaço da sala de aula.

Materiais: Fios/ Linhas, Arame, Fitas adesivas
Conteúdos envolvidos: Materiais, Procedimentos, Sintaxe, Sentido.

2.    Desenhar com mancha
Sinopse: Vamos em seguida construir um desenho usando a mancha, além da linha. Tenta-se perceber como se podem criar manchas a partir da linha e também recorrendo a outros materiais, como papéis ou tecidos. Cada aluno terá de resolver como criar o seu desenho, com os materiais dados, podendo transformá-los para alcançar o que é proposto, numa pequena área, definida no espaço da sala de aula.

Materiais: Marcadores, Guache, Pincéis, Trinchas, Tesoura, Cola, Fios/ Linhas, Arame, Papéis, Tecidos, Fitas adesivas.
Conteúdos envolvidos: Materiais, Procedimentos, Sintaxe, Sentido.

3.    Fotografia como registo documental | como elemento construtivo de desenho
Depois de concluído cada desenho, é pedido que os alunos registem as suas intervenções, utilizando a fotografia como meio de documentação. Posteriormente, é pedido que criem uma imagem, através da fotografia, a partir da intervenção realizada, utilizando agora a fotografia como elemento construtivo da imagem.

Materiais: Máquina fotográfica, computador.
Conteúdos envolvidos:Procedimentos, Sintaxe, Sentido.


SESSÃO II .          DESENHAR NO ESPAÇO


ÂNGELO DE SOUSA


CHARLEY PETERS


Para olhar o desenho no espaço vamos observar obras de Ângelo de Sousa e de Charley Peters. O desenho “(...) atravessa, e não raramente estrutura, quase toda a atividade de Ângelo de Sousa nos domínios da pintura e da escultura.” (Faria; Wandschneider,1999, p. 49) O desenho é também praticado como disciplina autónoma pelo artista, numa experimentação que incide sobre as possibilidades da linha e da cor enquanto elementos expressivos, valendo por si mesmos, como construtores de formas. Como exemplos tomamos as suas “esculturas de fitas de aço inoxidável, feitas entre 1968 e 1972, em que as linhas parecem saltar do papel para se materializarem no espaço. Nestes casos, a distinção entre pintura  e desenho, ou entre escultura e desenho, deixa de fazer sentido.” (p. 49) “Na realidade, o desenho põe em jogo um princípio construtivo primordial na sua obra, que consiste em partir do mais simples (uma linha) para abordar o que é complexo (as formas). (...) um mesmo elemento (uma fita metálica) é multiplicado e agregado na construção de formas progressivamente mais elaboradas que, todavia, deixam ver o elemento original e o processo de construção.” (p. 49)
Charley Peters é uma artista contemporânea que assume os seus desenhos no espaço, fá-los e refere-se a eles como tal. “The geometric 3-Dimensional construction – a drawing in space – is a physical interpretation of the linear movements suggested in the earlier ink drawings (…).” (Peters, 2012) Recorre-se ao seu trabalho como testemunho do desenho no espaço e da sua pertinência no panorama da arte contemporânea. Um trabalho que vive do/no processo de exploração do desenho, do espaço e do valor dos materiais, que reforça o que foi observado no trabalho dos artistas anteriormente apresentados: a atenção elementos formais, primordiais do desenho como linguagem, no espaço.
“For Peters, drawing is a tool for active engagement and response – a reflexive and open-ended medium, which, through her practice, is constantly evolving in reaction to material and spatial concerns.” (in http://charleypeters.com)

Vamos perceber como podemos fazer uma composição no espaço, como o desenho se pode transcender e aumentar exponencialmente a sua expressividade.


EXERCÍCIOS:

1. Desenho livre no espaço

Neste exercício é pedido aos alunos que desenhem, apropriando-se livremente do espaço da sala, a partir dos vários materiais disponibilizados. Terão que criar uma composição com linhas e manchas, formas que podem ser criadas através da utilização expressiva da linha, repetindo-a, sobrepondo-a, ou recorrendo a manchas feitas com outros materiais.
Pode também incluir volumes, através da apropriação objetos existentes no espaço, ou outros criados pelos alunos, isto é, novas formas tridimensionais, desenhadas em 3D.

Materiais: Marcadores, Guache, Pincéis, Trinchas, Tesoura, Cola, Fios/ Linhas, Arame, Papéis, Tecidos, Fitas adesivas, Objetos.
Conteúdos envolvidos: Materiais, Procedimentos, Sintaxe, Sentido.


2. Fotografia como registo documental | como elemento construtivo de desenho
Depois de concluído cada desenho, é pedido que os alunos registem as suas intervenções, utilizando a fotografia como meio de documentação. Posteriormente, é pedido que criem uma imagem, através da fotografia, a partir da intervenção realizada, utilizando agora a fotografia como elemento construtivo da imagem.

Materiais: Máquina fotográfica, computador.
Conteúdos envolvidos: Procedimentos, Sintaxe, Sentido.


SESSÃO III .          O CORPO A DESENHAR NO ESPAÇO


KLAUS RINKE

TONY ORRICO

TEATRO NEGRO

As referências para este momento são os trabalhos dos artistas Klaus Rinke e Tony Orrico e ainda o Teatro Negro. Vamos também revisitar imagens do trabalho de Helena Almeida, dos últimos anos. Depois de construídas composições de formas no espaço, surge o desafio de incluir também o corpo no desenho. Os artistas agora mostrados fazem-no: usam (os) corpos no espaço para desenhar, ora através do registo fotográfico, em sequências que adicionam movimento e tempo a estes desenhos – Klaus Rinke –; ora usando o corpo como ‘riscador’, cristalizando performances em papel colocado no chão ou em paredes, desenhos que aconteceram devido ao movimento sistemático e preciso do corpo que, quase demonstrando fórmulas matemáticas, também desenha – Tony Orrico; ora sendo o corpo a própria forma do desenho, um desenho que se move e muda de composição a cada instante, ou não – Teatro Negro. O Teatro Negro é mais uma manifestação (em movimento) de como o corpo pode desenhar no espaço. Se observarmos frames de um vídeo, são como desenhos, composições. A cada momento se substitui o desenho em cena por um outro desenho, através do aparecimento de corpos iluminados na ‘superfície’ do palco, ou seja, no espaço iluminado em que aparecem as formas feitas de corpos, perante o espetador.

Vamos entender como usar o corpo como elemento pictórico e como meio atuante para desenhar no espaço.

EXERCÍCIOS:

1.
    O corpo como elemento pictórico
Dando continuidade à apropriação da realidade exterior iniciada no exercício anterior, é pedido aos participantes que utilizem o corpo como elemento pictórico em articulação com o registo fotográfico, podendo também recorrer a outros materiais disponibilizados. O exercício poderá ser realizado individualmente ou em grupo.          

Materiais: Marcadores, Guache, Pincéis, Trinchas, Tesoura, Cola, Fios/ Linhas, Arame, Papéis, Tecidos, Fitas adesivas, Objetos, Máquina fotográfica, Computador.
Conteúdos envolvidos: Materiais, Procedimentos, Sintaxe, Sentido.


2.    Travessia

Neste exercício (que faz parte também do workshop Desenho, em Questão) procura-se estabelecer uma relação estreita entre a ação de desenhar e o movimento do sujeito no espaço, de forma a que um implique necessariamente o outro. É pedido aos alunos que ocupem uma zona na extermidade da folha, que cobre grande parte do chão. De seguida, é lançado o desafio de chegarem à extremidade oposta da folha, com a condição de só se poderem movimentar desenhando sobre a folha. É pedido aos participantes que respondam ao desafio de uma forma original e menos óbvia. O desenho acaba por surgir como meio para conseguir algo, neste caso atravessar a folha de uma forma inventiva.

Materiais: Papel de cenário, Grafites, Marcadores, fita adesiva.
Conteúdos envolvidos: Procedimentos, Sintaxe, Sentido.