Nas várias experiências e reflexões descritas neste 'diário', fui definindo de forma mais clara a forma como me posiciono entre correntes e teorias do ensino artístico, nomeadamente as definidas por Efland e as que se relacionam com o conceito de artista-professor. Cada vez mais é clara a relação entre a forma como vivo e entendo a arte e a forma como concebo as minhas experiências como professora/ educadora.
O ensino das artes está relacionado com o modo como o próprio professor entende a arte (Efland,1995, p. 25) e o meu caso não é exceção.
De acordo com as correntes do ensino artístico delineadas por Arthur Efland, vários paradigmas podem ser articulados para atingir um mesmo fim: propiciar aprendizagem.
Em todas as minhas experiências de ensino, tento abordar determinados conceitos e perseguir objetivos de diferentes formas, apoiando-me em trabalhos artísticos e em teorias da arte que foram surgindo e prevalecendo ao longo do tempo, consciente de que conhecendo o que já foi feito e escrito, ou seja, o que já foi criado, nos pode ajudar a trilhar novos e preponderantes caminhos na conceção de novos trabalhos artísticos - obras de arte ou projetos didáticos.
Tento articular vários modelos e abordagens, adequados a conteúdos e objectivos diferenciados, não priveligiando uma única perspetiva como verdadeira, em detrimento de outras. Enquandro-me, assim, no paradigma Pósmodernista (Efland, 1995). Esta posição é a que melhor se coaduna com a minha maneira de encarar o mundo em geral e as artes e o ensino em particular, uma vez que não posso, como educadora, defender uma corrente, um estilo ou uma concepção única, antes devo proporcionar aos alunos um constante questionar acerca das questões essenciais e transversais na arte.
Se tivesse que relacionar o meu trabalho de forma mais precisa com determinadas correntes, das enunciadas por Efland, encontro na generalidade dos meus trabalhos caraterísticas das correntes Expressiva-Psicanalítica, Pragmática-Reconstrucionista e Formalista-Cognitiva que em conjunto constituem, como foi referido atrás, uma posição Pósmodernista.
Segundo a orientação da corrente Expressiva-Psicanalítica, a arte e a educação centram-se na expressão pessoal, e são como veículos para a liberdade individual, mais do que ‘metodologias específicas’ (Efland,1995, p. 27), sendo o processo mais relevante que os resultados. A arte é valorizada como (auto)expressão, pela originalidade e o aluno é considerado na sua capacidade de exteriorizar e na sua individualidade. “A aprendizagem neste modelo promove a auto-realização do aluno o que lhe permite desenvolver os seus valores interiores, sendo o professor visto como um facilitador na medida em que procura não impor regras ou valores ao aluno.” (Silva, 2010, p. 16). Em Desenho em Questão e nas experiências pedagógicas que relato, encontramos muitos momentos nos quais os alunos são convidados a intervir livremente de acordo com a sua individualidade. Mesmo nos exercícios em que existem condições mais definidas, procuro sempre que os alunos respondam aos exercícios de forma pessoal e criativa.
De acordo com a Corrente Pragmática-Reconstrucionista, "(...) a Arte e a Educação têm um valor instrumental, na medida em que contribuem para que o ser humano, artista ou aluno, conheça e intervenha sobre a realidade, sendo que esta (...) não é aceite como verdade absoluta, mas passível de mudança." (Sousa, A., 2007, p. 22). O pensamento é constantemente revisto e reatualizado na Educação, tal como na Arte; além disso, "(...) a Educação faz-se em contato direto com o meio, e assenta na apresentação de problemas, significativos para os alunos, que lhes possibilitem novas experiências, geradoras de aprendizagem." (Sousa, A., 2007, p. 23) Constrói-se conhecimento contextualizado e que tenha um valor pragmático. Esta corrente está presente na forma como tento construir situações, exercícios, que possibilitam a construção de conceitos a partir da experiência, não partindo de verdades absolutas. Não o faço de forma expositiva, por exemplo, antes escolho formas de, através da prática, gerar conhecimento.
A corrente Formalista-Cognitiva valoriza um conhecimento específico da arte. No que diz respeito à aprendizagem, esta tem como base o que é comum a todos, não o individual. Segundo esta corrente, procura-se "(...) um conjunto de leis, inerentes às obras, e aos atos educativos (...)." (Sousa, A., 2007, p. 23). O professor está entre o aluno e o acesso a uma linguagem visual, científica, cujo domínio é necessário para o sucesso da aprendizagem. Essa linguagem é parte integrante de um conhecimento específico disciplinar, existindo uma teorização sobre a prática – materializada na Discipline Based Art Education (DBAE), que permitiu que a arte fosse ensinada democraticamente, aprendida por qualquer um. Permitiu também que pela primeira vez se reconhecesse “(…) como um dos objetivos básicos da educação artística aprender a ver.” (Acaso, Maria, 2009, p. 100). Nas minhas propostas didáticas, cada experiência é gerada, dentro do possível, para que possa ser vivida por qualquer um, não exclusiva de artistas, na tentativa de facilitar o conhecimento da linguagem específica da arte, de forma construtiva.
A dimensão formalista e científica acaba, assim, por enquadrar os objetivos pedagógicos que se prendem com o propiciar aos alunos a tomada de consciência de diferentes concepções e dessa forma alargar e aprofundar a compreensão da arte, mas pretendo também melhorar o seu entendimento e a sua sensibilidade ao mundo, o seu crescimento como indivíduos ativos, artisticamente, em sociedade, o que é próprio de uma ação Pragmática-Reconstrucionista...
Além deste posicionamento entre vários modelos, o desejo de ensinar e a exigência de criar são para mim impulsos paralelos e não divergentes, que partilham um princípio comum: são viagens similares ao desconhecido e sustêm os mesmos frutos da auto-exploração e da auto-descoberta. (Lowe, 1958, p. 11) Não posso deixar de me identificar com o que tem sido estudado e (d)escrito acerca de um artista-professor, que tem em si uma aptidão, uma vontade e uma vocação, que o levam a tentar educar das mais diversas formas, através da arte.
Sinto e sei que trabalho com essa consciência, que estou a criar enquanto educadora. Procuro, assim, enriquecer e construir uma ‘arte de ensinar’, a qualidade de organizar e comunicar determinadas ideias e sentimentos. (Hausman, 1967, p. 14)
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