terça-feira, 24 de julho de 2012

Para uma apresentação mais formal, ou como reflexão...





A reflexão que desenvolvi no contexto da disciplina de Didática das Artes Plásticas levou-me a aprofundar mais o meu relato acerca desta experiência, o que serviu de base para uma outra apresentação, para outra disciplina: a Introdução à Prática Profissional. Com o objetivo de apresentar uma comunicação no simpósio Matéria Prima, consegui estruturar melhor as minhas ideias e a descrição de todo o processo, sendo por isso pertinente acrescentar aqui o essencial do texto que escrevi para o artigo do simpósio.
Serve também para melhor responder ao pedido para este relato de experiência:


Introdução

Este projeto foi realizado na disciplina de Desenho A, 11º ano, no primeiro ano em que lecionei Artes Visuais no ensino Secundário, na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, Lisboa, durante o ano letivo 2009-2010. Foi a minha primeira experiência profissional como professora neste contexto (ensino formal).

O tema central deste projeto é o autorretrato, que neste caso parte do desenhar mediante vários tipos de perceção, além da mais comummente associada ao desenho: a visual. O objetivo do trabalho proposto liga-se às motivações que lhe deram origem: o fato de existirem, naquela realidade escolar específica, bastantes alunos invisuais e a curiosidade quanto à possibilidade da sua relação com obras de arte e da fruição das mesmas. Pediu-se aos alunos que realizassem autorretratos que pudessem ser percecionados não só através da visão, mas também por outros sentidos.



Enquadramento do Projeto

A Unidade apresentada pertence ao primeiro programa a partir do Programa que criei para a disciplina de Desenho A. Acreditei que deveria trabalhar com os alunos segundo uma metodologia de projeto e para tal tentei formular eu própria um projeto que pudesse ter interesse para aqueles alunos, na realidade específica em que se inseriam. Os encontros pelos corredores da escola, com vários jovens invisuais que ali circulavam, suscitaram o meu interesse e resolvi seguir o instinto de formular algo que os pudesse incluir. O projeto que culminaria na Unidade que agora apresento baseou-se, então, num Ensaio Sobre a Cegueira.

Numa primeira Unidade, intitulada Perceção Visual e mundo envolvente, trabalhou-se o sentido da Visão, através do desenho do visível. Depois criaram-se composições a partir desses desenhos, que foram reproduzidas em Interpretações do Visível, em que a cor e outros materiais além do carvão e grafite (inicialmente utilizados) estavam presentes.

A segunda Unidade Didática, o Ensaio Sobre a Cegueira propriamente dito, incluiu a exploração, no desenho, das perceções advindas dos outros quatro sentidos, abordando-se o meio ambiente como fonte de estímulos e o papel do cérebro na construção de perceções. Foram realizados diferentes processos de análise, através das propriedades de cada sentido, originando cada propriedade linhas, formas, cores.

Explorando o sentido do Tato, foram feitos retratos dos colegas, percebendo-se através da prática as diferenças entre esses desenhos e os que foram feitos à vista e a partir da reprodução de fotografias dos mesmos colegas.



Para experimentar o desenho a partir do Olfato, elaboraram-se desenhos de flores e frutos, com manchas de cor, associando as cores aos cheiros. Mais uma vez, além destas experiências os alunos fizeram desenhos à vista e, posteriormente composições com a sobreposição desses desenhos e das manchas de cores associadas aos cheiros. Experimentaram ainda reproduzir um paladar através de cores e texturas desenhadas.

A Audição serviu de base para trabalhar ritmo, linha, mancha e gesto. Os alunos desenharam usando a expressividade da linha e da cor, ao ritmo de diferentes músicas. A música e o ouvir serviram ainda de base a um exercício de desenho e ilustração a partir de músicas e letras. Cada aluno concebeu o design de um álbum (CD), num projeto com as diferentes fases do trabalho e uma maquete ‘alternativa’ para um álbum.

A terceira e última Unidade deste projeto intitulou-se Olhar para dentro de…. É a Unidade que apresento como Matéria Prima, mas o seu sentido construiu-se ao longo de todo o longo percurso que acabo de descrever. Infelizmente foram poucos os registos fotográficos realizados nestas fases, mas seria interessante apresentá-los.



Unidade Didática Olhar para dentro de…

Usando os elementos estruturais da linguagem plástica, quis-se que se criasse, a partir do olhar para dentro de cada um dos alunos, uma intervenção no espaço cá fora. Cada aluno deveria criar através do desenho algo que fosse visível, a partir do invisível, tirando partido das experiências feitas ao longo do ano, sintetizando abordagens, para representar um eu, autodescobrindo-se no seu próprio corpo, nos objetos exteriores que lhe estivessem associados, etc.. Depois, cada aluno escolheria um entre os vários sentidos além da visão para usar na representação da sua individualidade.

Foi pedido aos alunos que representassem o seu Eu no Espaço, com uma escultura/ instalação, transpondo a interpretação pessoal feita em desenhos bidimensionais para uma peça que requeria a imaginação de um espaço. Os conteúdos programáticos trabalhados foram: Visão, Materiais, Procedimentos, Sintaxe. Os materiais, as técnicas e os suportes utilizados foram os escolhidos pelos alunos, tendo em conta os seus estudos e o trabalho em conjunto com a professora.

O enunciado desta exploração dos cinco sentidos para a expressão do eu foi apresentado em aula a par de uma exibição de imagens de trabalhos de artistas contemporâneos (essencialmente instalações), em que os alunos podiam ver como cada outro sentido teria que ser ativado para percecionar aquelas obras de arte. Essas imagens foram usadas com o intuito de sugestionar e estimular os alunos para a exploração de dimensões que habitualmente não eram incluídas nos seus trabalhos de desenho.

As várias fases propostas para este trabalho incluíam um Olhar para dentro, com registos gráficos e escritos que refletissem pensamentos/ preocupações/ características pessoais; desenhos/ ilustrações a partir dos textos recolhidos e uma pesquisa de imagens que ilustrassem os mesmos. Seguia-se um Mostrar de dentro, um processo de materialização de ideias em desenhos de vários formatos e técnicas à escolha, estudos de cor, estudos de composição e depois a escolha de técnicas e materiais, em função da comunicação através de pelo menos dois dos cinco sentidos (visão + audição/ paladar/ tato/ olfato).

Seguiu-se a construção do Eu no espaço, a construção das peças bi ou tridimensionais que foi acompanhada pela professora.

Terminados os trabalhos (o que coincidiu com o final do ano letivo), fez-se uma Exposição Coletiva.



Respostas aos exercícios propostos

Os resultados dos exercícios foram, como desejado, bastante diversificados. Todos refletiram o nível de empenho dedicado pelos alunos à concretização dos trabalhos, muitos concluíram e expuseram os seus autorretratos, outros ficaram pelo projeto e (infelizmente) não o chegaram a concretizar fisicamente, outros ainda quiseram passar imediatamente à prática e conseguiram resultados mais ou menos bons. No fundo, todos estes resultados foram autorretratos. Nas figuras vemos alguns desses resultados, uns captados em exposição, outros na sala onde foram elaborados.
A exposição foi montada com a ajuda dos alunos numa zona de corredores da escola e era apresentada ao público através de um texto explicativo do seu âmbito, que acompanhava a exposição e aparecia também em braille (tradução e impressão facultados pelos alunos do Gabinete de Ensino Especial da escola, que está equipado para o efeito).



Avaliação

A avaliação foi considerada na conceção da Unidade tendo em vista uma exploração para o sucesso, na medida em que não foi apenas o resultado do trabalho propriamente dito que serviu como elemento de avaliação.
As fases descritas eram essenciais para a concretização do trabalho final e permitiram uma avaliação criterial, em que se teve em conta todo o percurso de construção de ideias e de aplicação dos conteúdos programáticos acompanhada pela professora. Embora a avaliação fosse sujeita a critérios normativos definidos coletivamente com os professores do grupo, materializada numa escala numérica, não deixou de proporcionar uma valorização da aprendizagem individual de cada aluno.



Conclusão

O que pretendi, ainda que intuitivamente naquela data, com este projeto, foi uma adaptação do currículo para a disciplina de Desenho A, de acordo com o que entendo ser o meu “modelo” de professor. Este projeto é expressão do que, pessoalmente, entendo como a nossa missão enquanto professores: a ágil articulação dos conteúdos programáticos definidos para todos, mas adaptados a uma realidade específica, a uma escola particular, e tendo em conta o universo pessoal de cada aluno, acompanhando-o no seu crescimento pessoal. Além de se ter em conta cada universo particular, este é exatamente o que se pretende trabalhar e ajudar a desenvolver: um autoconhecimento produtivo e uma descoberta de novas maneiras de olhar. Olhar para aprender a partir do que se vê e se sente (e é exterior a nós); olhar para o que está dentro de nós.
Penso que este é um projeto a repetir noutras circunstâncias, com outros desenvolvimentos. Descobri que não é necessário existir uma comunidade de invisuais a quem dar estes trabalhos, pois o essencial aconteceu no processo de descoberta de cada um dos alunos, todos eles com o sentido da visão apurado. Afinal, todos pensamos que vemos bem, mas podemos não ver o essencial.

O modelo de professor que desejo seguir é o que permite aos alunos ver o essencial, acompanhando-os na descoberta do desenho, da técnica, da matéria e também do imaterial.






Mais além na reflexão...

Penso que me envolvi bastante no processo educativo implicado neste trabalho. Sei que o meu envolvimento acabou por ser maior, nalguns casos, do que o dos próprios alunos, apesar de serem eles a autorretratar-se... Isto porque muitas vezes a minha vontade do seu sucesso era maior e conseguia perceber que, se eles dessem mais um pouco deles próprios e da sua dedicação a este trabalho, o resultado seria muito melhor, seria realmente de qualidade.
Talvez eu não tenha sabido captar as duas atenções, ou talvez cada um dos trabalhos fosse uma espécie de experiência um pouco minha, que desejava levar a cabo numa espécie de laboratório.
Mas a experiência era de cada um deles.
O processo era deles, bem ou menos bem sucedido. De acordo com um enunciado, cada um escolheu o seu processo de execução e limitei-me a acompanhá-lo/ incentivá-lo, tentando potenciar as ideias dos alunos.
É interessante como temos que jogar permanentemente connosco próprios e ora atrevermo-nos, ora contermo-nos, para que a nossa influencia seja efetiva e positiva mas não impositiva ou manipuladora.
Penso que os alunos desenvolveram competências ao nível do trabalho de projeto, da sua capacidade de autoanálise, da sua capacidade de encontrar o sentido entre o que eles próprios são e as suas escolhas, da sua capacidade de fazer algo visível, que não seja baseado no visível, o que realmente correspondeu ao(s) objetivo(s) desta proposta.







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