Quando se trata de me “enquadrar” a mim, é mais difícil…
Peco pela pouca capacidade de decidir, pela tendência a
‘deixar em aberto’, pela tendência a usar reticências…
Como se quisesse que outros decidissem por mim, como se o
que faço fosse sempre uma “obra aberta”.
Ainda assim, penso com um sorriso que pecar pode ser bom, porque deixando-se em aberto, pode continuar-se a refletir, em vez de ficar por uma conclusão.
Ainda assim, penso com um sorriso que pecar pode ser bom, porque deixando-se em aberto, pode continuar-se a refletir, em vez de ficar por uma conclusão.
O relato de unidade didática que apresentei revela o modo como entendo que deve
ser estruturado um programa para uma disciplina de Artes Visuais e revela
também a minha forma de ensinar, ou ‘educar’, tal como revela a minha forma de
entender a arte.
Como tal, esta reflexão acerca de uma unidade didática é
também uma reflexão acerca da minha postura e da minha identidade como
professora.
Arte e educação estão para mim ligadas nas suas estruturas.
A arte educa o indivíduo e a sociedade; pela arte educa-se e a educação é uma
arte também.
No entanto, penso que educar deve ser sempre uma arte
(embora tenha uma utilidade definida), mas arte nem sempre é educação.
Encontro-me na confluência de várias correntes; referindo-me
às correntes delineadas por Arthur Efland, por exemplo, encontro-me entre a Corrente
Expressiva-Psicanalítica e a Corrente Pragmática-Reconstrucionista, tomando com
mais ênfase esta última.
Não posso, no entanto, rejeitar alguns aspetos ligados às correntes
Mimética-Behaviorista e Formalista-Cognitiva; em suma, penso que todas as
correntes têm em si princípios que podem funcionar na prática com o seu
sentido, conjugados com outros.
Por exemplo, da Mimética-Behaviorista, considero importante
saber perceber que arte também pode ser imitação, saber ver também pode passar por saber representar mimeticamente; como
tal, continuo a achar pertinente que os alunos realizem desenhos à vista,
trabalhando-se assim a perceção visual do mundo que os envolve.
Também acho relevante que os alunos aprendam a ver, que consigam identificar as estruturas do
conhecimento através de conceitos e de um vocabulário específico, próprio da
arte como poderia ser o de outra disciplina, e que permite uma aproximação à
arte com a consciência de se viver uma experiência estética, o que seria
próprio da corrente Formalista-Cognitiva.
Esta perspetiva está expressa nos próprios enunciados e na forma como proponho
que os alunos encarem os seus trabalhos: peço-lhes que criem, trabalhando
conteúdos como a “Visão, Materiais, Procedimentos, Sintaxe”, peças que serão
próximas de obras de arte, tentando que experienciem o processo de criar uma
obra de arte que terá um sentido/ propósito/ que valerá ‘em si’ e que será
exposta. No entanto, não lhes é pedido que sejam
artistas, nem se pressupõe que exista a apreensão de um léxico específico que garanta o sucesso ou a aproximação à
arte…
Esta unidade temática, em si, materializa, uma espécie de
fusão entre a corrente Corrente Expressiva-Psicanalítica e a Corrente Pragmática-Reconstrucionista.
Ao mesmo tempo que se trabalha o autorretrato, dando ênfase
à personalidade e à esfera emocional de cada um, trabalha-se para uma
comunidade específica, ou melhor, tendo em conta a adaptação a uma comunidade
específica, que pressupõe uma perspetiva social e reconstrucionista do que se
faz em arte. Quer-se
que os alunos se coloquem no lugar do outro e ao mesmo tempo se descubram,
nessa relação entre o que os outros poderão ou não ver e o que eles descobrem
que são.
Educação e arte têm, assim, um papel na expressão da individualidade do
aluno e “(…) têm valor instrumental, na medida em que contribuem para que o ser
humano, artista ou aluno, conheça e intervenha sobre a realidade, sendo que
esta (...) não é aceite como verdade absoluta, mas passível de mudança." (Sousa,
A., 2007, p. 22).
Se este trabalho parece ligar-se mais à corrente Expressiva-Psicanalítica,
devido à sua temática, a verdade é que os meus propósitos estão mais ligados a
uma perspetiva pragmática e reconstrucionista, uma vez que a abordagem do ‘eu’
se destina essencialmente a problematizar algo significativo para o aluno, de
modo a que se capacite para melhor crescer em sociedade, tendo desta forma
possibilidade de o fazer através de novas experiências, que lhe ‘alarguem os
sentidos’ e tragam novas aprendizagens.
O conhecimento descoberto é contextualizado e tem em si ainda valores
humanos, que se descobrem na capacidade de se fazer algo para outros, que terão
caraterísticas e condições de vida que desconhecemos.
Como John Dewey, vejo a arte como “(…) não apenas uma mera expressão pessoal
mas um meio de transformar a vida do indivíduo e da sociedade. (…) como uma
ferramenta com a qual seria possível resolver problemas do contexto familiar,
escolar ou da própria comunidade e (…) enquanto parte integrante da actividade
humana e não como um fenómeno isolado.“ (SILVA, Carolina, 2010, p. 17)
Em última instância, arte e educação são meios para atingir fins,
relacionados com o benefício da comunidade e da sociedade, sendo o processo
individual de criação também importante, pois aprende-se com a experiência. Tal
como Herbert Read e Viktor Lowenfield, acredito na educação pela arte e
valorizo o crescimento de crianças e jovens “criativa e sensivelmente, o que
lhe permitia aplicar a sua experiência com a Arte em qualquer outra situação do
seu dia-a-dia.” (SILVA, Carolina, 2010, p. 16)
Além disso, acredito que “A aprendizagem (…) promove a auto-realização do
aluno o que lhe permite desenvolver os seus valores interiores, sendo o
professor visto como um facilitador na medida em que procura não impor regras
ou valores ao aluno.” (SILVA, Carolina, 2010, p. 16)
“De acordo com Arthur Efland (…), as correntes que define
não devem ser interpretadas como limites rígidos que seccionam de forma
categórica a história da Educação Artística mas são uma possibilidade para a
periodização da sua acção e pensamento.” (SILVA, Carolina, 2010, p. 22)
Aliás, a educação artística deve integrar vários modelos e
abordagens, de acordo com objetivos e conteúdos específicos. Cabe ao professor
saber como ‘aplicar’ estes modelos, não sendo necessário o enquadramento num
modelo específico, mas sendo útil o conhecimento de todas as possibilidades e
do que já foi escrito e revisto acerca da arte e da educação, como fazemos
nesta didática.
Não posso deixar de me situar neste universo de multiplicidade, ambiguidade
e incerteza (próprio do pós-modernismo), em que o artista é um produto e um
produtor cultural, em que o conhecimento é uma construção social e a identidade
do sujeito é incerta e fragmentada, em que se procura constantemente e nessa
procura nos encontramos. Mas posiciono-me de forma otimista e positiva, na
consciência de que assim se podem educar pessoas que pensam e agem de forma
crítica e contextualizada, de alguma forma propositada e diversificada.
O que é individual e coletivo procura-se e mistura-se, em busca de uma
comunhão com o essencial.
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