terça-feira, 14 de agosto de 2012

a REFLEXÃO




Quando se trata de me “enquadrar” a mim, é mais difícil…
Peco pela pouca capacidade de decidir, pela tendência a ‘deixar em aberto’, pela tendência a usar reticências…
Como se quisesse que outros decidissem por mim, como se o que faço fosse sempre uma “obra aberta”.
Ainda assim, penso com um sorriso que pecar pode ser bom, porque deixando-se em aberto, pode continuar-se a refletir, em vez de ficar por uma conclusão. 

O relato de unidade didática que apresentei revela o modo como entendo que deve ser estruturado um programa para uma disciplina de Artes Visuais e revela também a minha forma de ensinar, ou ‘educar’, tal como revela a minha forma de entender a arte.
Como tal, esta reflexão acerca de uma unidade didática é também uma reflexão acerca da minha postura e da minha identidade como professora.
Arte e educação estão para mim ligadas nas suas estruturas. A arte educa o indivíduo e a sociedade; pela arte educa-se e a educação é uma arte também.
No entanto, penso que educar deve ser sempre uma arte (embora tenha uma utilidade definida), mas arte nem sempre é educação.
Encontro-me na confluência de várias correntes; referindo-me às correntes delineadas por Arthur Efland, por exemplo, encontro-me entre a Corrente Expressiva-Psicanalítica e a Corrente Pragmática-Reconstrucionista, tomando com mais ênfase esta última.
Não posso, no entanto, rejeitar alguns aspetos ligados às correntes Mimética-Behaviorista e Formalista-Cognitiva; em suma, penso que todas as correntes têm em si princípios que podem funcionar na prática com o seu sentido, conjugados com outros.
Por exemplo, da Mimética-Behaviorista, considero importante saber perceber que arte também pode ser imitação, saber ver também pode passar por saber representar mimeticamente; como tal, continuo a achar pertinente que os alunos realizem desenhos à vista, trabalhando-se assim a perceção visual do mundo que os envolve.
Também acho relevante que os alunos aprendam a ver, que  consigam identificar as estruturas do conhecimento através de conceitos e de um vocabulário específico, próprio da arte como poderia ser o de outra disciplina, e que permite uma aproximação à arte com a consciência de se viver uma experiência estética, o que seria próprio da corrente Formalista-Cognitiva. Esta perspetiva está expressa nos próprios enunciados e na forma como proponho que os alunos encarem os seus trabalhos: peço-lhes que criem, trabalhando conteúdos como a “Visão, Materiais, Procedimentos, Sintaxe”, peças que serão próximas de obras de arte, tentando que experienciem o processo de criar uma obra de arte que terá um sentido/ propósito/ que valerá ‘em si’ e que será exposta. No entanto, não lhes é pedido que sejam artistas, nem se pressupõe que exista a apreensão de um léxico específico que garanta o sucesso ou a aproximação à arte…

Esta unidade temática, em si, materializa, uma espécie de fusão entre a corrente Corrente Expressiva-Psicanalítica e a Corrente Pragmática-Reconstrucionista.
Ao mesmo tempo que se trabalha o autorretrato, dando ênfase à personalidade e à esfera emocional de cada um, trabalha-se para uma comunidade específica, ou melhor, tendo em conta a adaptação a uma comunidade específica, que pressupõe uma perspetiva social e reconstrucionista do que se faz em arte. Quer-se que os alunos se coloquem no lugar do outro e ao mesmo tempo se descubram, nessa relação entre o que os outros poderão ou não ver e o que eles descobrem que são.
Educação e arte têm, assim, um papel na expressão da individualidade do aluno e “(…) têm valor instrumental, na medida em que contribuem para que o ser humano, artista ou aluno, conheça e intervenha sobre a realidade, sendo que esta (...) não é aceite como verdade absoluta, mas passível de mudança." (Sousa, A., 2007, p. 22).
Se este trabalho parece ligar-se mais à corrente Expressiva-Psicanalítica, devido à sua temática, a verdade é que os meus propósitos estão mais ligados a uma perspetiva pragmática e reconstrucionista, uma vez que a abordagem do ‘eu’ se destina essencialmente a problematizar algo significativo para o aluno, de modo a que se capacite para melhor crescer em sociedade, tendo desta forma possibilidade de o fazer através de novas experiências, que lhe ‘alarguem os sentidos’ e tragam novas aprendizagens.
O conhecimento descoberto é contextualizado e tem em si ainda valores humanos, que se descobrem na capacidade de se fazer algo para outros, que terão caraterísticas e condições de vida que desconhecemos.
Como John Dewey, vejo a arte como “(…) não apenas uma mera expressão pessoal mas um meio de transformar a vida do indivíduo e da sociedade. (…) como uma ferramenta com a qual seria possível resolver problemas do contexto familiar, escolar ou da própria comunidade e (…) enquanto parte integrante da actividade humana e não como um fenómeno isolado.“ (SILVA, Carolina, 2010, p. 17)
Em última instância, arte e educação são meios para atingir fins, relacionados com o benefício da comunidade e da sociedade, sendo o processo individual de criação também importante, pois aprende-se com a experiência. Tal como Herbert Read e Viktor Lowenfield, acredito na educação pela arte e valorizo o crescimento de crianças e jovens “criativa e sensivelmente, o que lhe permitia aplicar a sua experiência com a Arte em qualquer outra situação do seu dia-a-dia.” (SILVA, Carolina, 2010, p. 16)
Além disso, acredito que “A aprendizagem (…) promove a auto-realização do aluno o que lhe permite desenvolver os seus valores interiores, sendo o professor visto como um facilitador na medida em que procura não impor regras ou valores ao aluno.” (SILVA, Carolina, 2010, p. 16)

“De acordo com Arthur Efland (…), as correntes que define não devem ser interpretadas como limites rígidos que seccionam de forma categórica a história da Educação Artística mas são uma possibilidade para a periodização da sua acção e pensamento.” (SILVA, Carolina, 2010, p. 22)
Aliás, a educação artística deve integrar vários modelos e abordagens, de acordo com objetivos e conteúdos específicos. Cabe ao professor saber como ‘aplicar’ estes modelos, não sendo necessário o enquadramento num modelo específico, mas sendo útil o conhecimento de todas as possibilidades e do que já foi escrito e revisto acerca da arte e da educação, como fazemos nesta didática.
Não posso deixar de me situar neste universo de multiplicidade, ambiguidade e incerteza (próprio do pós-modernismo), em que o artista é um produto e um produtor cultural, em que o conhecimento é uma construção social e a identidade do sujeito é incerta e fragmentada, em que se procura constantemente e nessa procura nos encontramos. Mas posiciono-me de forma otimista e positiva, na consciência de que assim se podem educar pessoas que pensam e agem de forma crítica e contextualizada, de alguma forma propositada e diversificada.
O que é individual e coletivo procura-se e mistura-se, em busca de uma comunhão com o essencial.




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