quinta-feira, 28 de março de 2013

Desenho, em Questão. | Reflexão


REFLEXÃO | GRUPO

O pensamento crítico e reflexivo implica uma avaliação permanente de crenças e princípios a partir de um conjunto de dados e da interpretação desses dados (Oliveira & Serrazinha, 1999, p.3).

De forma a recolhermos dados que não tivessem como fonte apenas as nossas impressões subjetivas sobre a realização da unidade didática Desenho, em questãofoi concebido um instrumento de diagnóstico que nos permitisse avaliar, por um lado, nos participantes as aprendizagens desejadas e, por outro, o sucesso da unidade didática em relação aos objetivos a que se propunha (ver acima). Considerámos a avaliação realizada por oito dos dez participantes, sendo que, de entre os oito, dois participaram nas três sessões e cinco nas duas últimas.

Na primeira parte da ficha de avaliação, onde são avaliados pelos participantes aspetos gerais da unidade didática que se prendem com os seus principais objetivos, segundo uma escala entre 1 e 5 (que corresponde respetivamente a nunca e quase sempre), foi concebido um quadro, exposto em baixo, que nos permite observar e confrontar a avaliação realizada pelos referidos participantes, identificados no quadro por letras maiúsculas. As médias apuradas por objetivos (m/o) permitem-nos concluir que a unidade Desenho, em questão promoveu quase sempre a reflexão sobre o desenho; proporcionou frequentemente a exploração de práticas e concepções de desenho desconhecidas dos participantes, o que evidencia a sua pertinência; os exercícios práticos foram frequentemente impulsionadores de uma compreensão aprofundada sobre a mesma; a estratégia utilizada foi frequentemente motivadora e mobilizadora de novas aprendizagens, o que possibilitou quase sempre a construção de conceitos de desenho a partir das experiências propiciadas pela sequência de exercícios que constitui cada sessão.     


Objetivos
Participantes


A
B
C
D
E
F
G
H
m/o
Promoção da reflexão sobre o Desenho.
5
5
4
5
5
5
4
5
4,7
Abordagem de concepções e práticas do desenho desconhecidas para os participantes.
4
4
3
5
4
5
4
5
4,2
Prática do desenho geradora de uma compreensão aprofunda do mesmo.
5
4
4
3
5
5
4
5
4,3
Estratégia motivadora e promotora de aprendizagens.
5
4
3
4
5
5
5
5
4,5
Construção de conceitos de Desenho a partir das experiência propiciadas.
4
5
5
5
4
5
5
5
4,7
Fig. 1 – Tabela de resultados da avaliação de objetivos pelos participantes. Escala: 1 - Nunca | 2 - Raramente | 3 - Às vezes  | 4 - Frequentemente | 5 - Quase Sempre. M /o: média por objetivo.
           
A análise dos resultados acima referidos, das participações e reflexões realizadas pelos participantes oralmente, no decorrer das sessões, e por escrito, no final da unidade didática – a que corresponde a segunda parte da ficha de avaliação –, permite-nos concluir que, apesar da heterogeneidade dos participantes, relativamente às idades, níveis e áreas de estudo (verificada mais intensamente na primeira sessão), o objetivo de alargar e enriquecer os conceitos sobre o que pode ser o desenho e sobre a arte em geral, através da prática artística e da reflexão, foi conseguido de forma muito satisfatória. O sucesso da unidade e o empenho e entusiasmo manifesto pelos participantes ao longo das sessões, não desmobilizado por um eventual “elevado” grau de exigência e complexidade dos conceitos abordados, parece-nos ser um indicador da necessidade e pertinência deste tipo de abordagens principalmente no contexto da educação artística, mas também no contexto de ações de sensibilização e formação de públicos, enquanto “leitores” artísticos.

Consideramos que, no contexto específico do ensino secundário, os alunos do curso de Artes Visuais beneficiariam com um ensino em que se incluísse este tipo de abordagem ao desenho, particularmente, e também às artes em geral, adicionando-se assim conteúdos e práticas que iriam preencher uma lacuna que nos parece inadmissível, mas que, infelizmente, existe de forma generalizada nas práticas dos professores. É necessário alargar os horizontes dos jovens e levá-los a olhar mais longe, é necessário colocar em questão métodos de ensino desadequados ao nível de desenvolvimento das ideias e da investigação acerca do ensino artístico a que podemos ter acesso hoje em dia.

Este workshop pode contribuir para um conhecimento e compreensão transversal das artes visuais, com diferentes níveis de profundidade, no sentido em que são explorados diferentes processos e suas implicações e não, especificamente, correntes artísticas ou práticas de alguns artistas, embora os processos e concepções abordados tenham procedido da sua análise.

Em conclusão, parece-nos fundamental num ensino artístico que se pretende atual e perante a diversidade de concepções e práticas artísticas, que se tem agudizado desde as vanguardas artísticas, com contornos mais individualizados e multiculturais na era dita pós-moderna, o desenvolvimento a nível curricular de abordagens transversais que integrem essa mesma diversidade de uma forma organizada, sistematizada e pedagogicamente eficaz, tendo como objetivo geral expandir as ideias, o pensamento artístico, suas práticas e a compreensão destas, visto que para a arte como para o seu ensino não há modelos ou fórmulas predefinidas a serem seguidas e mantidas através do ensino. Esta percepção e vontade surge da constatação, a partir das nossas experiências pessoais enquanto alunas e professoras, de que o ensino artístico, no seu conteúdo e forma, está ainda obtusamente imbuído de academismos (clássicos ou contemporâneos) que urge desconstruir.      
  
   

     




REFLEXÃO | PESSOAL

Este workshop foi, para mim, a prova de como é possível trabalhar conceitos complexos e refletir sobre eles na prática, com os mais variados tipos de destinatários. Foi, além de uma experiência didática, uma experiência artística criada por artistas-professores, participada por ‘alunos’ que por momentos trabalharam como potenciais artistas.
Como vimos através das imagens, e também das participações e reflexões realizadas pelos participantes oralmente, no decorrer das sessões, e ainda por escrito, no final da unidade didática, os exercícios e a forma como foram concebidos e propostos foram eficazes, no alcançar do que nos tínhamos proposto. A minha perceção do processo e dos resultados é francamente satisfatória, o que reforça a minha vontade de fazer mais e melhor.

O processo de conceção foi bastante trabalhoso, em longas e frutuosas discussões em grupo, na tentativa de definir o mais e o melhor possível os conceitos a trabalhar e de criar os melhores processos para cada exercício, de acordo com os objetivos a que nos propusémos. O que pusémos em prática foi realmente o processo de criação de um trabalho artístico, na criação deste workshop. Tomar decisões sobre o que ‘ensinar’ é tão difícil quanto decidir o que pintar (Pazienza, 1997, p. 45) e, logo na definição das nossas intenções nos deparámos com a dificuldade; a de decidir o que cada um dos elementos do grupo queria e a de decidir o que todos queriam, quais as nossas reais vontades, que pressupostos e propósitos deveríamos seguir, pois selecionar uma grande ideia com relevancia pessoal é um fator-chave na eficácia da grande ideia para o processo artístico. (Walker, 2004, p. 9)

A investigação mais aprofundada acerca do tema e a definição mais clara das intenções acerca do que se queria transmitir, comunicar, enriqueceu e sustentou este processo. Sabemos que não existe uma fórmula ou definição para a qualidade em arte que possa ser transmitida aos alunos, por isso em vez de as procurarmos, focámos mais a ausência de prescrições para a realização de uma de uma obra, neste caso de um desenho. Assim, tratámos de conceber formas de fazer, propostas para exercitar os conceitos que se queriam transmitir, de forma organizada. Tentámos, de acordo com o que Hausman descreve, pôr em prática uma ‘arte de ensinar’, tomando como conteúdos essenciais diferentes aspetos da natureza própria da arte em geral e do desenho em particular, não incentivando o mero envolvimento em atividades manuais, artesanais ou técnicas artísticas. (1967, p. 14)

Provocámos o aprender-fazendo, ao propôr diferentes possíveis processos de criar. Na criação deste projeto, foi importante também pensar em como propôr cada exercício em forma de enunciado, pois, embora quiséssemos estabelecer de forma precisa objetivos, conteúdos e procedimentos, não queríamos revelar todos os propósitos de cada exercício à partida, mas sim que cada um, na prática, concluísse algo autêntico sobre o que estava a ser trabalhado.

Na realização das várias sessões, incentivámos a reflexão-na-ação (Schön, 2000), dando atenção à consciência do fazer, verbalizando e articulando as ideias no decorrer da realização dos exercícios e entre as várias fases, colocando sempre novas questões a cada exercício concretizado. Foi visível e muito satisfatório como, em diferentes níveis, todos se tornaram mais sensíveis às maneiras de fazer desenho e as entenderam, tirando proveito de cada momento de forma descontraída e de mente cada vez mais aberta.

Isto foi possível, percebo agora, porque o trabalho de preparação, constante reajustamento e planeamento pormenorizado dos exercícios (que existiu mesmo entre sessões) foi intenso e pertinente na procura da precisão possível de conseguir, tendo em conta os conteúdos e o tema: as inúmeras possibilidades de fazer desenho. Foi também o fato de conseguirmos transpôr, a partir de pesquisas acerca de diferentes processos dos mais díspares artistas de diferentes épocas, diferentes modos de fazer, já realizados e fundamentados, para exercícios por nós definidos, que garantiu o sucesso desta experiência. Tal como Hausman refere, uma obra de arte é fonte de uma vasta quantidade de informações, é um meio para compreender o contexto em que foi criada, resulta da manipulação de materiais e técnicas específicas e é contemporânea de uma série de outras obras de arte e documentos significativos. (1967, p. 15) Pretendia-se que assim fosse este workshop e, não querendo chamá-lo de obra de arte, pode considerar-se e reforçar-se o seu valor como experiência artística.

Estando nós próprias conscientes da relação íntima entre a arte e o que se ensina, encorajámos esta tomada de consciência por parte dos participantes para que eles próprios, possíveis artistas e efetivos seres criativos, ficassem munidos de um conhecimento mais aprofundado e próprio da arte, munidos de maneiras de fazer arte ligadas a eles próprios, ao mesmo tempo que melhor se conhecem a si mesmos. Um bom ensino artístico introduz esse fluir de ideias e imagens, que ajudam os alunos a descobrir, selecionar, combinar e sintetizar ideias e imagens retiradas desse fluxo. (Hausman, 1967, p. 15)
A satisfação gerada pelo sucesso deste workshop não podia deixar de ser acompanhada da reflexão e discussão, entre os elementos do grupo (eu, Elsa e Teresa), mais uma vez questionando, pondo agora o workshop Em Questão. De todo o processo que culmina nessa mesma reflexão, concluo que, com qualidade, nada se faz sem trabalho e dedicação e, também, sem objetivos ambiciosos, que, no fundo, a nada mais correspondem que a uma vontade de fazer o que idealmente e efetivamente deveria ser feito.

Quero, na minha prática profissional, como professora ou como artista (ou artista-professora), ser capaz de continuar a prosseguir com um trabalho que aspire a qualidade de uma obra artística, válida, fundamentada e que realmente tenha um efeito significativo para com quem o partilhar.


                          


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