domingo, 24 de março de 2013

Desenho, em Questão.

Todos os detalhes e reflexões aqui....




CONCEPÇÃO

A proposta de unidade didática que apresentei em conjunto com a Teresa Verdier e com a Elsa Pereira tem como ponto de partida o Desenho, área comum de intervenção pedagógica para a realização da prática profissional supervisionada.

Existem diversos modos de desenhar e de pensar o desenho. Da consciência dessa diversidade, visível ao longo da história da arte e de indivíduo para indivíduo, e da experiência de que o desenho é muitas vezes o laboratório através do qual novas ideias, técnicas e processos artísticos são explorados, surge a vontade de compreender e sistematizar essa diversidade, de perceber as suas implicações e possibilidades. Consequentemente,  surgiu a ideia de conceber uma sequência de exercícios de caráter exploratório que possibilitasse por um lado a construção e partilha dessas consciências e, por outro, uma aventura para além do que é convencionalmente entendido por desenho, explorando a elasticidade do(s) conceito(s) e práticas do desenho e a sua relação com outras áreas artísticas, como a pintura, a escultura, a fotografia, a instalação ou a performance.

Temos como referências nesta exploração das diversas possibilidades do desenho alguns dos artistas e teóricos que durante o século passado e o presente protagonizaram as transformações nos modos de fazer e entender a arte em geral e o desenho em particular, contribuindo para o seu perpétuo movimento de transgressão de si própria, esse sair dos seus limites para mais se aproximar do que é. Referências essas que nos informam sobre as  diferentes abordagens do desenho, sobre a forma como os diversos aspetos e elementos envolvidos na prática do desenho são explorados. 



REFLEXÃO | PESSOAL

Este workshop foi, para mim, a prova de como é possível trabalhar conceitos complexos e refletir sobre eles na prática, com os mais variados tipos de destinatários. Foi, além de uma experiência didática, uma experiência artística criada por artistas-professores, participada por ‘alunos’ que por momentos trabalharam como potenciais artistas.
Como vimos através das imagens, e também das participações e reflexões realizadas pelos participantes oralmente, no decorrer das sessões, e ainda por escrito, no final da unidade didática, os exercícios e a forma como foram concebidos e propostos foram eficazes, no alcançar do que nos tínhamos proposto. A minha perceção do processo e dos resultados é francamente satisfatória, o que reforça a minha vontade de fazer mais e melhor.

O processo de conceção foi bastante trabalhoso, em longas e frutuosas discussões em grupo, na tentativa de definir o mais e o melhor possível os conceitos a trabalhar e de criar os melhores processos para cada exercício, de acordo com os objetivos a que nos propusémos. O que pusémos em prática foi realmente o processo de criação de um trabalho artístico, na criação deste workshop. Tomar decisões sobre o que ‘ensinar’ é tão difícil quanto decidir o que pintar (Pazienza, 1997, p. 45) e, logo na definição das nossas intenções nos deparámos com a dificuldade; a de decidir o que cada um dos elementos do grupo queria e a de decidir o que todos queriam, quais as nossas reais vontades, que pressupostos e propósitos deveríamos seguir, pois selecionar uma grande ideia com relevancia pessoal é um fator-chave na eficácia da grande ideia para o processo artístico. (Walker, 2004, p. 9)

A investigação mais aprofundada acerca do tema e a definição mais clara das intenções acerca do que se queria transmitir, comunicar, enriqueceu e sustentou este processo. Sabemos que não existe uma fórmula ou definição para a qualidade em arte que possa ser transmitida aos alunos, por isso em vez de as procurarmos, focámos mais a ausência de prescrições para a realização de uma de uma obra, neste caso de um desenho. Assim, tratámos de conceber formas de fazer, propostas para exercitar os conceitos que se queriam transmitir, de forma organizada. Tentámos, de acordo com o que Hausman descreve, pôr em prática uma ‘arte de ensinar’, tomando como conteúdos essenciais diferentes aspetos da natureza própria da arte em geral e do desenho em particular, não incentivando o mero envolvimento em atividades manuais, artesanais ou técnicas artísticas. (1967, p. 14)

Provocámos o aprender-fazendo, ao propôr diferentes possíveis processos de criar. Na criação deste projeto, foi importante também pensar em como propôr cada exercício em forma de enunciado, pois, embora quiséssemos estabelecer de forma precisa objetivos, conteúdos e procedimentos, não queríamos revelar todos os propósitos de cada exercício à partida, mas sim que cada um, na prática, concluísse algo autêntico sobre o que estava a ser trabalhado.

Na realização das várias sessões, incentivámos a reflexão-na-ação (Schön, 2000), dando atenção à consciência do fazer, verbalizando e articulando as ideias no decorrer da realização dos exercícios e entre as várias fases, colocando sempre novas questões a cada exercício concretizado. Foi visível e muito satisfatório como, em diferentes níveis, todos se tornaram mais sensíveis às maneiras de fazer desenho e as entenderam, tirando proveito de cada momento de forma descontraída e de mente cada vez mais aberta.

Isto foi possível, percebo agora, porque o trabalho de preparação, constante reajustamento e planeamento pormenorizado dos exercícios (que existiu mesmo entre sessões) foi intenso e pertinente na procura da precisão possível de conseguir, tendo em conta os conteúdos e o tema: as inúmeras possibilidades de fazer desenho. Foi também o fato de conseguirmos transpôr, a partir de pesquisas acerca de diferentes processos dos mais díspares artistas de diferentes épocas, diferentes modos de fazer, já realizados e fundamentados, para exercícios por nós definidos, que garantiu o sucesso desta experiência. Tal como Hausman refere, uma obra de arte é fonte de uma vasta quantidade de informações, é um meio para compreender o contexto em que foi criada, resulta da manipulação de materiais e técnicas específicas e é contemporânea de uma série de outras obras de arte e documentos significativos. (1967, p. 15) Pretendia-se que assim fosse este workshop e, não querendo chamá-lo de obra de arte, pode considerar-se e reforçar-se o seu valor como experiência artística.

Estando nós próprias conscientes da relação íntima entre a arte e o que se ensina, encorajámos esta tomada de consciência por parte dos participantes para que eles próprios, possíveis artistas e efetivos seres criativos, ficassem munidos de um conhecimento mais aprofundado e próprio da arte, munidos de maneiras de fazer arte ligadas a eles próprios, ao mesmo tempo que melhor se conhecem a si mesmos. Um bom ensino artístico introduz esse fluir de ideias e imagens, que ajudam os alunos a descobrir, selecionar, combinar e sintetizar ideias e imagens retiradas desse fluxo. (Hausman, 1967, p. 15)
A satisfação gerada pelo sucesso deste workshop não podia deixar de ser acompanhada da reflexão e discussão, entre os elementos do grupo (eu, Elsa e Teresa), mais uma vez questionando, pondo agora o workshop Em Questão. De todo o processo que culmina nessa mesma reflexão, concluo que, com qualidade, nada se faz sem trabalho e dedicação e, também, sem objetivos ambiciosos, que, no fundo, a nada mais correspondem que a uma vontade de fazer o que idealmente e efetivamente deveria ser feito.

Quero, na minha prática profissional, como professora ou como artista (ou artista-professora), ser capaz de continuar a prosseguir com um trabalho que aspire a qualidade de uma obra artística, válida, fundamentada e que realmente tenha um efeito significativo para com quem o partilhar.

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